CASO MIGUEL – MP denuncia mãe e madrasta de menino por crimes de tortura, homicídio e ocultação de cadáver

Yasmin Rodrigues e Bruna da Rosa podem pegar até 39 anos de prisão caso sejam condenadas com as penas máximas.

O Ministério Público do Estado (MP-RS) denunciou na segunda-feira (16), Yasmin Vaz dos Santos Rodrigues e Bruna Nathiele Porto da Rosa – mãe e madrasta, respectivamente, do menino Miguel dos Santos Rodrigues. O casal foi acusado de tortura, homicídio e ocultação de cadáver após confessar que matou o menino de sete anos e jogou seu corpo no Rio Tramandaí, em Imbé. O crime teria ocorrido no dia 27 de julho.

Na terça-feira (17), o subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Institucionais do MP-RS, Júlio César de Melo, e o promotor de Justiça que atua no caso, André Tarouco, concederam entrevista coletiva. Ao falar do assassinato de Miguel, Melo lembrou de dois casos semelhantes: os homicídios de Bernardo Boldrini e Rafael Mateus Winques. “Esses crimes e esses fatos bárbaros vêm sendo perpetrados exatamente por quem deveria dar maior proteção e amparo a essas crianças. Esses fatos inconcebíveis, bárbaros, covardes, praticados por quem deve dar amor, carinho, atenção e proteção, são ainda mais graves porque cometidos no ambiente em que essas crianças deveriam se sentir ainda mais seguras, ou seja, no seu lar”, disse o subprocurador-geral.

TORTURA

Na denúncia, Tarouco ressalta que entre os dias 17 de abril e 25 de julho desse ano, mãe e madrasta submeteram Miguel a intenso sofrimento físico e mental, como castigo pelo fato de a criança buscar carinho, cuidado e atenção. “As denunciadas começaram a negligenciar os cuidados básicos que se destinam a uma criança, privando-a de uma alimentação adequada, de diversão, de lazer e de higiene pessoal, bem como isolando-a dentro de um apartamento pequeno, sem a devida ventilação, enquanto deixavam a residência com as portas e as janelas fechadas na maior parte do dia”, detalhou o promotor.

Miguel chegou a ser trancado, com as mãos amarradas e imobilizadas com correntes e cadeados dentro de um pequeno guarda-roupa por longos períodos durante o dia. Caso conseguisse se desvencilhar, as denunciadas amarravam-no novamente. Miguel era obrigado a se alimentar somente quando as denunciadas quisessem, da mesma forma que estava obrigado a fazer as necessidades fisiológicas no interior do móvel, inclusive sendo compelido a limpá-lo como punição. Por ser um espaço pequeno, a criança era obrigada a ter contato com suas próprias fezes.

Além dessa privação de liberdade, mãe e madrasta submetiam Miguel a intenso sofrimento mental e emocional, determinando que escrevesse, repetidamente, em um caderno, frases depreciativas contra si, como “eu sou um idiota”, “eu sou ladrão”, “eu sou ruim”, “eu sou cruel”, “eu sou malvado”, “eu não presto”, “eu não sei valorizar ninguém”, “eu sou um filho horrível”, “eu sou um inútil”, “eu sou um péssimo filho”, “minha mamãe é maravilhosa e eu sou péssimo” e “eu não mereço a mamãe que eu tenho”.

HOMICÍDIO QUALIFICADO

O homicídio foi consumado entre 26 e 29 de julho desse ano, decorrente de agressão física, insuficiência de alimentação, uso de medicamento inadequado e omissão de atendimento à saúde da vítima. Por esses motivos, o promotor qualificou o crime como motivo torpe, com emprego de meio cruel e mediante recurso que dificultou a defesa do ofendido. Após as torturas, por já não tolerarem a presença da criança, intencionalmente, planejaram, arquitetaram e executaram o homicídio, em uma cadeia sucessiva de atos que acarretaram o óbito.

Miguel teve sua cabeça arremessada pela mãe contra uma parede com tamanha violência que quebrou um azulejo com o impacto. Depois, a dupla trancou o menino dentro de um guarda-roupa, deixando-o naquele local, com alimentação insuficiente, aplicação de medicação inadequada a uma criança e não prestação de qualquer tipo de socorro, diante do seu flagrante estado de debilidade, permitindo, assim, que houvesse as reações fisiológicas adversas que ocasionaram a morte.

O crime foi praticado por motivo torpe, pois as denunciadas, que mantinham relacionamento amoroso entre si na época do fato, demonstravam total desprezo à vítima, responsabilizando-a por prejudicar o relacionamento delas, sendo considerado um entrave para o que supunham ser a felicidade do casal.

O crime foi cometido por meio cruel, pois as denunciadas, após intensas agressões à vítima e aplicação de medicamentos, privaram-na de cuidados médicos adequados, o que causou nela sofrimento desnecessário. As denunciadas também praticaram o delito mediante recurso que dificultou a defesa do ofendido, pois Miguel se encontrava debilitado física e psicologicamente, sendo forçado a ingerir medicamentos inapropriados a uma criança, não tendo forças para reagir e gritar por socorro diante do ataque de duas adultas, com clara desproporção de forças.

OCULTAÇÃO DE CADÁVER

No último dia 29 de julho, durante a madrugada, na beira do Rio Tramandaí, as denunciadas ocultaram o cadáver de Miguel. Conforme o promotor, o casal rompeu as articulações dos membros inferiores e superiores do corpo da vítima e a colocaram em uma posição semelhante à fetal, dentro de uma mala de viagem. Após pesquisas na internet sobre como poderiam fazer sumir vestígios do homicídio praticado, as denunciadas foram até o rio, tiraram o cadáver da mala de viagem e o jogaram na água, esperando até o corpo afundar. Ao retornarem para a residência onde estavam, durante o trajeto, as denunciadas jogaram a mala em uma lixeira.

O QUE DIZ A DEFESA

A defesa de Yasmin informou que já esperava o resultado da denúncia, que ela se declara inocente e que relatará sua versão em juízo. “Já era esperado que a denúncia fosse feita nestes moldes com estas imputações vamos fazer a resposta à acusação e Yasmin vai relatar tudo o que aconteceu para o magistrado quando do seu interrogatório! Yasmin se declara inocente!”, informou o advogado Jean Severo.

As advogadas de Bruna também negam que ela tenha cometido o crime, e afirmam que levarão provas ao processo em momento oportuno. “A denúncia de Bruna no caso não nos trás surpresa, todavia a imputação do MP de que ela deve ser julgada e condenada pelos crimes cometidos por Yasmin surpreende. A polícia produziu provas suficientes para que deixasse de acusar Bruna por diversos dos delitos ali indicados, inclusive da participação no homicídio do menino Miguel, mas estamos trabalhando para apontar todas essas provas em momento processual oportuno”, declaram as advogadas Fernanda Ferreira e Helena Von Wurmb.

As rés vão permanecer presas e a disposição da Justiça enquanto durarem as investigações. O crime de tortura, segundo Melo, tem pena de dois a cinco, podendo ser aumentado em um terço por ser tratar de a vítima ser uma criança. A pena no crime de ocultação de cadáver varia de um a três anos. Já o homicídio qualificado tem pena máxima de 30 anos. Portanto, se as duas forem condenas com as penas máximas, elas podem pegar até 39 anos de prisão.

O Cartório da 1ª Vara Criminal de Tramandaí confirmou na quarta-feira (18), que Yasmin é ré por homicídio, tortura e ocultação de cadáver. Já a companheira dela, Bruna, está com o processo suspenso. A Justiça aguarda a perícia do Instituto Psiquiátrico Forense (IPF) em razão da instauração do incidente de insanidade mental, que está em andamento. Bruna teria um grau leve de autismo. Ela também precisou ser removida da penitenciária após tentar suicídio, segundo a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). Vale ressaltar que as duas seguem presas, a disposição da Justiça.

IMAGENS DIVULGADAS

A Polícia Civil conseguiu localizar imagens de câmeras de segurança que ajudam a mostrar o trajeto feito pela mãe e pela madrasta do menino Miguel Rodrigues. Os vídeos gravados no início da madrugada do dia 29 de julho mostram Yasmin e Bruna caminhando na área central de Imbé. A mãe aparece transportando a mala onde estaria o corpo do filho (veja o vídeo em https://www.youtube.com/watch?v=8yLXtzCMOMI).

Uma das imagens foi captada à 1h e 03min, na Avenida Osório. Nela, Yasmin e Bruna passam caminhando, as duas usam moletom com capuz. Yasmin carrega com o braço esquerdo a mala, onde estaria o corpo da criança. No mesmo ponto, à 1h e 58min, as duas aparecem retornando, de braços dados. Segundo a investigação, nesses 55 minutos elas teriam percorrido o trajeto até as margens do Rio Tramandaí. Lá o cadáver do menino teria sido arremessado nas águas.

A apuração ainda conseguiu localizar pelo menos outros quatro pontos onde foram obtidas imagens de câmeras no trajeto de cerca de dois quilômetros entre a pousada e o rio. Em todos eles, Yasmin é quem aparece transportando a mala. O delegado diz que a obtenção dos vídeos enfrentou alguns obstáculos, como casos de moradores que só possuem imóveis de veraneio, e residem em outras cidades, e até de pessoas que se recusaram a ceder as imagens.

Um dos pontos que chamou a atenção foi o tamanho da mala usada. Segundo o depoimento de Bruna, para que o menino coubesse na mala, Yasmin teria quebrado braços e pernas da criança. Este, inclusive, é um dos pontos citados na denúncia encaminhada ao Judiciário pelo MP. No depoimento à polícia, a madrasta disse também que o menino estava muito magro, subnutrido.

Foto: Divulgação