Nova ponte no Litoral pode ser construída sem estudo ambiental

Prevista para ser edificada em cima de um ecossistema que abriga botos em extinção, a nova ponte binária Imbé-Tramandaí anunciada pelo governo gaúcho em parceria com as prefeituras pode ser construída com dispensa de estudos e relatórios que avaliem seus impactos no meio ambiente, o EIA/Rima.
A confirmação foi feita pela própria Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), responsável pelo licenciamento deste tipo de obra, ao site Matinal. Questionada sobre a ameaça ambiental da obra, a Fepam admitiu a possibilidade de dispensar o projeto destas análises, conforme havia antecipado o prefeito Ique Vedovato (MDB). O objetivo é agilizar o início das obras, que terão financiamento de até R$ 40 milhões por meio de um convênio com o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer). Com isso, o licenciamento ambiental da ponte sairia em quatro meses, no lugar dos cerca de dois anos habituais para a elaboração de um EIA/Rima.
O risco existe por conta de uma norma de 2019 da Fepam, que abre brecha para a construção de pontes sem que se considere a vida animal. Assinada pela presidente da Fundação, Marjorie Kauffmann, que é engenheira florestal, a portaria 121/2019 prevê EIA/Rima apenas para construções que interfiram na vegetação da Mata Atlântica. De acordo com o texto, o objetivo é “simplificar o licenciamento de obras de infraestrutura em estradas que não possuem licença de operação ou que estejam localizadas na divisa de municípios interligando estradas municipais”.
“Conforme a chefe de Divisão de Saneamento Ambiental da Fepam, Clarice Glufke, a portaria determina que será feito EIA nos casos de relocação, desapropriação ou supressão da Mata Atlântica em estágio avançado de regeneração. Porém, a portaria não estabelece que esses são os únicos motivos, ou seja, na avaliação técnica do empreendimento poderão ser identificados outros elementos que levem a determinação de realização de EIA/RIMA”, afirma a Fepam, em nota enviada ao Matinal.
A regra estipula que o licenciamento ambiental de pontes no RS deve se dar por meio da Licença Única (LU), uma modalidade criada pelo Código Ambiental do RS aprovado em 2020. A LU abole o licenciamento ambiental tradicional, que é trifásico e compreende três licenças: prévia, de instalação e de operação, em que condicionantes ambientais são medidos a cada etapa. “A Licença Única praticamente dá um cheque em branco para que se tenha tudo na mão sem cumprir essas fases”, considera o biólogo Paulo Brack, professor da UFRGS e coordenador do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá).
Questionada por ambientalistas, a LU do código ambiental é alvo de uma Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) interposta pelo Ministério Público em dezembro de 2020, que aguarda julgamento do ministro Ricardo Lewandowski no Supremo Tribunal Federal. O MP diz que a Licença Única suprime etapas importantes do licenciamento ambiental e fragiliza a proteção ao meio ambiente. A ação também mira outras três formas de licenciamento criadas pelo código sancionado por Eduardo Leite com o argumento de que nenhuma delas está prevista na legislação ambiental federal. Por lei, normas estaduais não podem ser mais flexíveis ou muito diferentes das federais. “A Licença Única é uma ‘inovação’ para agilizar empreendimentos, mas sabemos que a natureza está em uma situação cada vez mais dramática. Do ponto de vista da proteção da biodiversidade isso é preocupante. Não dá para retirar etapas desse processo”, diz Brack.
Oficialmente, a Fepam diz que irá avaliar a possibilidade de dispensa somente após a prefeitura de Imbé dar entrada no pedido de licenciamento, o que ainda não ocorreu. Ao Matinal, o prefeito de Imbé, Ique Vedovato (MDB), disse que uma consulta informal à entidade garantiu a dispensa do EIA/Rima – o município já sinalizou que em breve deve abrir uma licitação para que uma empresa seja a responsável pelos trâmites. O próprio estudo ambiental do plano funcional já realizado para as pontes, no entanto, destaca que a obra na barra de Imbé traz inúmeros riscos a espécies ameaçadas.
“Quanto à fauna, o projeto Binário possui grande proximidade com a desembocadura do Rio Tramandaí. Trata-se de um local sensível para a fauna e de extrema importância ecológica. Conforme estudos, na desembocadura do Rio Tramandaí são registradas sete espécies da fauna brasileira ameaçadas de extinção: duas de peixes (Genidens barbus e Pogonias courbina), três de aves (Sterna hirundinacea, Thalasseus acuflavidus e Thalasseus maximus) e duas de mamíferos (Tursiops gephyreus [o boto-de-Lahille] e Ctenomys flamarioni) ”, destaca o documento.
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