REGIÃO

Incra terá que elaborar novo relatório para demarcação do Quilombo de Morro Alto

A 9ª Vara Federal de Porto Alegre determinou que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) interrompa a licitação para contratação de empresa para elaboração de relatório antropológico para identificação e delimitação de território do Quilombo Morro Alto, localizado em Maquiné. Na liminar, publicada no último dia 10 de janeiro, a juíza Clarides Rahmeier levou em conta que já há um estudo antropológico no processo administrativo e não há decisão relacionada à sua revisão.

Autor da ação, o Ministério Público Federal (MPF) narrou que o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) referente à regularização fundiária da comunidade quilombola foi publicado em 2011. Um deputado federal protocolou, em 2016, um ofício discorrendo sobre nulidades no processo administrativo e requerendo a anulação do RTID. O MPF sustentou que as instâncias técnicas e jurídicas do Incra se manifestaram sobre a denúncia formulada pelo parlamentar e rebatendo todas.

Em fevereiro de 2020, o processo foi avocado pela auditoria interna, com a elaboração de um relatório preliminar. Em março deste mesmo ano, segundo o autor, o Superintendente Regional no estado ratificou as conclusões deste relatório que acolhia todas as teses e questionamento do deputado. Assim, para o autor, apesar da análise das equipes técnicas responsáveis contrárias aos argumentos de possíveis nulidades no procedimento administrativo, a operação para anulação deste processo permanece em andamento, de modo disfarçado, através das providências para elaborar novo laudo antropológico.

Em sua defesa, o Incra esclareceu que o processo administrativo de regularização fundiária da Comunidade Morro Alto possui alta complexidade em virtude da situação ocupacional do território identificado. Informou que as peculiaridades do caso já seriam, por si só, justificativas para que se realizasse novos estudos caso considerasse necessário para que a decisão administrativa sobre os limites do território a ser reconhecido seja adequadamente fundamentada e adotada em respeito ao princípio da proporcionalidade.

A autarquia alegou que a mera possibilidade de contratação de novos estudos antropológicos não indica qualquer violação aos direitos da comunidade quilombola e pode contribuir para a superação do impasse administrativo atualmente existente. Argumentou que eventual decisão administrativa equivocada ou adotada com vício de motivação poderá eventualmente ser impugnada, não havendo razoabilidade, contudo, em obstar a contratação de estudos cuja finalidade é instruir o processo de tomada de decisão, uma vez que o apontado relatório do auditor interno não motivou até o presente momento qualquer decisão administrativa com impacto no processo de regularização fundiária.

Atos administrativos devem ser públicos e transparentes

Ao analisar o caso, a juíza federal substituta Clarides Rahmeier pontuou que o “processo de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos compreende, sinteticamente, as seguintes fases:

  1. Abertura do processo, de ofício pelo Incra ou por qualquer interessado, das entidades ou associações representativas de quilombolas;
  2. Elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação – RTDI, com sua publicação;
  3. Publicação de Portaria de reconhecimento e declaração de território;
  4. Edição e publicação do Decreto de Desapropriação por Interesse Social;
  5. Emissão do título.

Segundo ela, é evidente que RTDI é de extrema complexidade ao comportar diversas fases e envolver a manifestação de diversos órgãos. Entre essas fases estão, por exemplo, o levantamento de informações cartográficas, fundiárias, agronômicas, ecológicas, geográficas, socioeconômicas e históricas, junto às instituições públicas e privadas; cadastramento das famílias remanescentes de comunidades de quilombos e dos demais ocupantes e presumíveis detentores de título de domínio relativos ao território pleiteado.

A magistrada pontuou que, no caso dos autos, o RTDI foi publicado, em março de 2011, adotando como estudo antropológico a obra intitulada “Comunidade Negra de Morro Alto, Historicidade, Identidade, Territorialidade e Direitos Constitucionais”. Ela destacou que os procedimentos adotados foram amplamente analisados por diferentes instâncias do Incra e nenhuma delas apontou indício de irregularidades.

Apesar disso, de acordo com a Rahmeier, o Incra instaurou procedimento licitatório “mesmo ainda estando pendente na esfera administrativa uma motivação técnica, clara e válida a ensejar a contratação de um novo estudo antropológico”. “Cumpre esclarecer que, no agir da administração pública, os atos administrativos devem ser públicos e transparentes. Públicos, uma vez que devem ser levados ao conhecimento dos interessados através dos instrumentos legalmente previstos e transparentes, pois deverão permitir que sejam compreendidos com clareza o seu conteúdo e todos os elementos de sua composição, especialmente seu motivo e finalidade, a fim de que se possa efetivar o seu controle”, ressaltou.

“No presente caso em especial, a comunidade precisa ter clareza acerca dos motivos a ensejarem a contratação de um novo estudo, caso necessário, por decisão fundamentada e motivada, no intuito de se evitar qualquer mácula ao devido procedimento administrativo”. A juíza sublinhou que o estudo antropológico é a primeira fase do RTDI, de forma que a contratação de novo estudo pode significar indiretamente o início de elaboração de um novo RTDI.

Com esta fundamentação, Rahmeier entendeu que se mostra “razoável a imediata interrupção do processo licitatório destinado à contratação de serviços para elaboração de novo Relatório Antropológico para a identificação e delimitação do território da Comunidade Remanescente de Quilombo de Morro Alto, enquanto ainda pendentes os motivos determinantes para tal procedimento”. Ela também determinou a continuidade do processo administrativa de regularização fundiária. Cabe recurso da decisão ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

FOTO: Divulgação