CRISE NO SÃO VICENTE DE PAULO: Fechar a UPA é a melhor solução?
OSÓRIO – Cerca de 50 pessoas estiveram presentes na noite de quarta-feira (27), na Câmara de Vereadores para acompanhar o Fórum sobre a crise financeira no Hospital São Vicente de Paulo (HSVP). A mesa foi composta pelo presidente do Legislativo em exercício, Miguel Calderon (Progressistas); o vereador João Pereira (MDB), o presidente do HSVP, Marco Pereira; o coordenador adjunto da 18ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS), Ronaldo Eder Rech; o secretário municipal de Saúde, Danjo Renê; o superintendente das Santas Casas e Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos do RS, André Emilio Lagemann; o diretor médico do Hospital Santa Luzia de Capão da Canoa, Francisco Henrique Lammerhirt; a representante do deputado Gabriel Souza (MDB), Jussara Censi; e o prefeito em exercício, Charlon Muller.
O presidente em exercício da Câmara, Miguel Calderon, deu início ao Fórum, ressaltando a importância da reunião. Ele afirmou que o Hospital é assunto de todos e apresentou preocupação com o momento que o HSVP está passando. Aliás, esse foi o sentimento de todos durante suas falas.
O presidente do Hospital trouxe um balanço da situação financeira do HSVP. Segundo Marco Pereira, a crise do Hospital já vem de aproximadamente 25 anos. Para se ter uma ideia, a instituição possui uma dívida passiva grande desde meados de 1998, onde o valor foi parcelado e até então não foi pago. Atualmente, esse passivo é de cerca de R$ 60 milhões. Conforme Marco, o HSVP tem um gasto mensal de três milhões de reais (um milhão de reais para custeio, R$ 1,2 milhão de folha de pagamento e cerca de R$ 800 mil para serviços médicos) e recebe R$ 1,7 milhão (R$ 1,3 milhão do SUS e o restante de convênios e particulares), o que dá um déficit de R$ 1,3 milhão por mês.
Desde que assumiu o comando do Hospital, em 2019, Marco vem sofrendo para manter as contas em dia. Segundo ele, desde então, o HSVP recebeu a quantia de R$ 1,4 milhão do Governo federal. Além disso, já foram repassados R$ 12 milhões de emendas parlamentares. Em março de 2021, o Hospital ainda foi contemplado com repasses de R$ 900 mil da prefeitura e R$ 500 mil da Câmara, isso sem contar as doações realizadas pela comunidade.
Mas, sem recurso e emendas, devido ao ano eleitoral, o Hospital entrou na sua realidade e teve que lidar com a crise financeira que vive. “Chegamos no ponto crítico. O Hospital recebeu uma emenda de um milhão de reais, que vai auxiliar para pagarmos as contas de agosto. Mas, a partir daí teremos que lidar com o déficit de R$ 1,3 milhão”, afirmou Marco Pereira. O presidente do HSVP disse que é um “déficit” trabalhar para o SUS. Para justificar a sua fala, ele trouxe três exemplos, mostrando que a UTI, o Centro obstétrico e a emergência têm déficit, respectivamente, de 150, 170 e 218 mil reais mensais.
Outro ponto levantado por Marco é a falta de ajuda dos demais municípios da região dos Bons Ventos. Além de Osório, o São Vicente atende moradores de Capivari do Sul, Mostardas, Palmares do Sul, Santo Antônio da Patrulha e Tavares e, segundo o presidente do Hospital, a instituição não recebe um centavo pelos serviços. “Nenhum município ajuda. Aí a conta não fecha. Estamos trabalhando para convencimento público, que só traz déficit para o município”, declarou.
Para se ter uma ideia, em média, apenas 56,6% dos atendimentos do HSVP são de moradores de Osório. Os outros 43,4% são de pacientes de outros municípios. Conforme o presidente do Hospital, se cada cidade fosse pagar pelos gastos de seus pacientes, a prefeitura local deveria repassar ao São Vicente o valor de R$ 732 mil. Essa quantia é menor do que os mais de R$ 800 mil repassados a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da cidade.
Aliás, a UPA esteve em pauta durante boa parte da discussão, chegando até ser apontada como possível causa do problema da dívida do Hospital e sendo cogitado até o seu fechamento. Questionado sobre o tanto de dinheiro repassado para a UPA, sem tanto atendimento, Marco Pereira afirmou que Osório não tem condições para comportar tanto o Hospital quanto a UPA, visto que um “sobrepõe o serviço do outro”. “Antes da UPA tínhamos 180 atendimentos por dia, hoje temo 50 por dia”, afirmou. Mesmo assim, o presidente do Hospital sabe que cada instituição de o seu papel para o município.
Entrando no debate, o secretário Danjo Renê trouxe alguns dados da UPA. Segundo ele, a Unidade de Pronto Atendimento atende quatro mil pessoas por mês. O secretário afirmou que, na época, foi contra a abertura da UPA, mas que não vê o fechamento dela como melhor opção: “Eu fui contra porque já tínhamos entendimento que Osório não tinha porte para manter duas grandes instituições de saúde. Mas hoje, não tenho opinião formada se fechar a UPA vai resolver os problemas do Hospital”, declarou o secretário.
Danjo declarou que a partir da próxima semana, será aberto um processo seletivo para contratar a nova empresa que fará a gestão da UPA. O contrato deverá ter o prazo de cinco anos. Essa é uma das principais medidas necessárias para que a UPA consiga a Habilitação do Ministério da Saúde e passe a receber o valor de 400 mil reais do governo federal. Com isso, a prefeitura repassaria a metade dos R$ 800 mil para a UPA, podendo repassar o restante para o Hospital. Porém, conforme Marco Pereira, a Habilitação da UPA só deve ocorrer a partir de março de 2023, o que seria tarde demais para o São Vicente de Paulo.
Com abertura para questionamentos e sugestões, o público presente também participou das discussões. O professor Joaquim afirmou ser contra o fechamento da UPA: “Vamos trabalhar para conseguir os recursos. Porque emendas vem algumas vezes, mas a saúde precisa de atendimento todos os dias. O governo municipal não pode se omitir, mas também não pode assumir (os pagamentos) por todos”.
O secretário Danjo ressaltou que o Estado está tirando os serviços e está sobrando para o município banca-los, como por exemplo, a questão das fraudas geriátricas, que passaram a ser compradas pelo Executivo local. Cerca de 200 pessoas precisam desse serviço em Osório. O coordenador adjunto da 18ª CRS, Ronaldo Eder Rech, afirmou que o Estado não está submisso e que sabe das dificuldades que o HSVP vem passando: “Essa situação nos preocupa. Os números são assustadores, mas juntos vamos achar uma solução definitiva para o bem comum do Hospital”, declarou Rech.
A representante do deputado Gabriel Souza também se colocou à disposição e afirmou que a crise financeira do São Vicente de Paulo é uma das prioridades do Gabinete do parlamentar. Vale ressaltar que, durante a reunião com a secretária de Saúde do Estado Arita Bergmann, no início da semana, o governo gaúcho confirmou um incentivo de R$ 70 mil reais para os serviços de psiquiatria, urologia e ginecologia.
Há 15 anos trabalhando como servidora da saúde, a enfermeira Valewska deu uma sugestão para o problema. Ao invés do fechamento da UPA ela sugeriu a abertura de um ambulatório 12 horas, como já havia na cidade, passando a UPA atender apenas 12 horas por dia: “Antes já era assim e a população tinha atendimento. Temos que investir o recurso de forma eficaz”, declarou.
O secretário Danjo lembrou que o objetivo é não fechar serviços: “A opção é buscar soluções e recursos. E se não temos condições de manter os dois (Hospital e UPA) funcionando com R$ 800 mil por mês, que a população decida se devemos ou não fechar a UPA”, afirmou. Já Marco Pereira, garantiu que o valor é o suficiente para mante o HSVP: “Se o Hospital já fazia com R$ 300 mil (valor repassado pela prefeitura antes da implantação da UPA, em março de 2020), com R$ 800 mil vai poder fazer e bem! ”, garantiu o presidente do Hospital.
Dando continuidade as falas, o superintendente na Federação dos Hospitais Filantrópicos do RS, André Lagemann, trouxe alguns dados sobre a questão das instituições num cenário estadual e nacional. Segundo ele, 74% dos Hospitais gaúchos são filantrópicos, incluindo o Hospital de Osório. Mas afinal, o que é isso? Esses hospitais são instituições privadas, porém sem fins lucrativos, que possuem contrato com o sistema público para prestar atendimento aos pacientes do SUS.
O Dr. André afirmou que hoje é inviável os Hospitais manterem suas estruturas com o recurso da tabela do SUS: “Os recursos são temporários, mas os custos permanentes”. Para se ter uma ideia, a cada 100 reais gasto com o paciente, a cobertura do SUS é de 60 reais. O restante fica a cargo das instituições de saúde.
O recomendado é que um Hospital gaste no mínimo 60% em atendimentos com pacientes do SUS. Porém, em 2020, o São Vicente Paulo gastou mais de 86% com esses pacientes. Ou seja, o HSVP precisa se manter com os outros 14% que contemplam o setor privado, insuficiente para manter os custos. Atualmente, Osório conta com 6,5 mil pessoas com plano privado. Mas por que então não transformar o Hospital de Osório em 100% SUS? O Dr. André descartou essa possibilidade, visto que o governo gaúcho teria que investir mais dinheiro para isso, o que, aparentemente, não possui. Um exemplo é o Hospital de Tramandaí, que hoje atua 100% e possui um déficit mensal de R$ 2,1 milhões. Já em Capão da Canoa a situação é ainda pior. Mesmo como o auxílio do Mãe de Deus, o Hospital Santa Luzia está com prejuízo de R$ 4,2 milhões.
Os hospitais filantrópicos no país têm um endividamento de 10,9 bilhões de reais, com déficit de R$ 10,9 bilhões por ano. Diversos fatores contribuíram para o agravamento da crise como o aumento de custos, incluindo o de medicamentos; o cenário político; e conflitos internacionais são alguns exemplos. Porém, nada está tão ruim que não possa piorar: o presidente Jair Bolsonaro está prestes a sancionar a Lei que autoriza o reajuste anual do piso dos profissionais de enfermagem. Caso isso aconteça, segundo Lagemann, haveria um impacto de R$ 6,3 bilhões por anos nas instituições.
Em resumo, não é só o HSVP que está em crise, mas sim a Saúde nacional como um todo. Mas como conseguir manter os serviços? Questionou o Dr. André: “Acredito na união da Federação, dos estados e dos municípios, que devem atuar juntos nos custeios de atendimentos de saúde”, declarou Lagemann, em resposta à sua pergunta. “O Hospital não pode gerar lucro, mas tem que distribuir recursos. O São Vicente de Paulo acolhe, mas agora precisa ser acolhido pela população”, afirmou André Lagemann.
Para complementar tudo o que foi dito anteriormente, o diretor médico do Hospital Santa Luzia, o Dr. Francisco Henrique Lammerhirt, trouxe cinco histórias curtas, ressaltando cinco itens: Que o poder público tem que ser envolvido com o Hospital; Que os auxílios são bem-vindos, mas a necessidade de recursos permanece; Que há a necessidade de que os municípios contribuam para ajudar a população; A contemplação municipal de maneira regionalizada; e por fim, Lammerhirt citou como último ponto o que estava acontecendo durante o Fórum: “Todos precisamos ajudar o Hospital São Vicente de Paulo, dando a sua contribuição de cada maneira”, finalizou o diretor médico do Hospital de Capão da Canoa.
O último a tomar a palavra foi o prefeito em exercício Charlon Muller. Ele começou falando da pouca participação e engajamento da população em assunto tão crítico, o qual precisaria participação conjunta de toda a região. Em um segundo momento, Charlon falou sobre o que fez, como prefeito em exercício, diante da crise do Hospital. Logo na 1ª semana no novo cargo, ele realizou uma reunião com a equipe técnica do hospital para discutir a redução de alguns serviços. Posteriormente, ele, o secretário Danjo e o deputado Alceu Moreira foram até Porto Alegre, onde se reuniram com a secretária de Saúde do Estado Arita Bergmann.
No encontro, ficou definida uma nova reunião, dessa vez com a Associação dos Municípios do Litoral Norte (Amlinorte), a qual Arita esteve presente. Na ocasião, Charlon afirmou que a questão do fechamento da UPA foi levantado, sendo defendida por diversos políticos, que ressaltaram a impossibilidade de conseguir manter a UPA e o HSVP. Uma possibilidade seria colocar um local de atendimento 12 horas e utilizar o Hospital como referência.
Quanto ao governo do Estado repassar mais recursos, isso ficou descartado. Já os municípios, segundo Marco Pereira, estão sobrecarregados com as suas demandas e, pelo jeito, também não estão dispostos a ajudar. A Comissão montada durante a Reunião, a qual conta com o prefeito Roger Caputi, o secretário Danjo, o presidente do HSVP Marco Pereira, entre outras autoridades, tem entre 15 e 30 dias para buscar uma solução definitiva para o Hospital de Osório. Segundo Marco, a direção do Hospital já tem um plano caso os recursos não venham. Infelizmente, a única ideia é o corte de custos, iniciando pelos serviços obstetrícios, emergência, blocos cirúrgicos e daí por diante”, lamentou.
Já o prefeito em exercício ressaltou que “não posso admitir que os serviços de atendimento fechem. Ver um paciente morrer. O Hospital é referência para o Litoral Norte e de extrema necessidade para a população. Não podemos deixa-lo fechar”, afirmou. De acordo com Charlon, na segunda-feira (01/08), ele e o prefeito Roger vão se reunir para definir uma meta e estratégias, as quais serão levadas até a Comissão durante reunião que ocorrerá na tarde de terça (02/08). “Não vamos parar. Vamos continuar buscando uma solução para o São Vicente. Boa sorte para nós e para o São Vicente. A população de Osório e do Litoral precisa do São Vicente vivo”, declarou Charlon Muller.
No final, o vereador João Pereira ressaltou “a situação complexa e grave” do Hospital. Ele agradeceu a presença de todos e afirmou estar preocupado com a participação da população: “Foram distribuídos mais de 400 ofícios em Osório e na região falando sobre a realização do Fórum e vemos esse baixo número de presentes aqui hoje. O Hospital São Vicente de Paulo está precisando de ajuda com esse grave problema e essa responsabilidade é de todos nós. Mas, se não fizermos nada, o pior vai acontecer”, ressaltou o vereador. E foi com essa frase impactante e realista, que o Fórum se encerrou.
Fotos: Adriana Davoglio