Os preços das ervas, temperos, cebolas e limões na barraca da feirante Onorina Quixobeira da Silva, de 62 anos, são redondinhos: R$ 1, R$ 2, R$3, e por aí vai. Nada de centavos. Quanto menos números, melhor. É contando nos dedos que sai o troco do freguês: só assim ela consegue identificar os números nas notas correspondentes e fazer a venda correta.
“Muitas vezes me atrapalho e tenho de começar a contar de novo”, diz ela. Três em cada dez jovens e adultos de 15 a 64 anos no País – cerca de 38 milhões de pessoas – são considerados analfabetos funcionais. Esse grupo tem muita dificuldade de entender e se expressar por meio de letras e números em situações cotidianas, como fazer contas de uma pequena compra, identificar as principais informações em um cartaz de vacinação ou calcular o custo de uma conta. Há dez anos, a taxa de brasileiros nessa situação está estagnada, como mostra o Indicador do Alfabetismo Funcional (Inaf).
O estudo, feito pelo Ibope Inteligência, é desenvolvido pela ONG Ação Educativa e pelo Instituto Paulo Montenegro. Segundo o indicador, 29% dos brasileiros são considerados analfabetos funcionais. Deste total, 8% são analfabetos absolutos (aqueles que não conseguem ler palavras e frases). Outros 21% estão no nível considerado rudimentar (não localizam informações em um calendário, por exemplo).
Em 2009, 27% dos brasileiros eram considerados analfabetos funcionais – o índice se repetiu em 2011 e 2015, os outros anos em que o Inaf foi divulgado. Apesar do pequeno aumento, estatisticamente esse movimento é considerado de estabilidade, segundo os coordenadores do estudo, uma vez que a margem de erro da pesquisa é de 2 pontos porcentuais.
Diferentemente de outras pesquisas que medem o analfabetismo na população, o indicador faz entrevistas domiciliares e aplica um teste específico, com questões que envolvem a leitura e interpretação de textos do cotidiano (bilhetes, notícias, gráficos, mapas, anúncios, etc.) e classifica a habilidade em cinco níveis de proficiência.
A taxa de analfabetismo calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por exemplo, mostra estagnação do analfabetismo absoluto no País, com 7% das pessoas (11,5 milhões) acima de 15 anos sem saber ler ou escrever. “O indicador tem como objetivo medir o quanto o brasileiro consegue entender e se fazer entendido dentro de uma sociedade letrada. Infelizmente, estamos estagnados há muitos anos em um patamar muito preocupante”, diz Ana Lucia Lima, coordenadora do Inaf.
Sobre os analfabetos absolutos, a variação entre 2015 e este ano é de 4 para 8 – não é possível determinar que houve aumento, segundo os autores, por estar no limite da margem de erro. Mas indica que a curva não é mais de queda nesse grupo. “Estamos vendo uma mudança nessa tendência, o que é coerente com a queda de investimentos que tivemos no País nos últimos anos na alfabetização de adultos”, diz Roberto Catelli Júnior, da Ação Educativa.
O Plano Nacional de Educação, de 2014, prevê erradicar o analfabetismo absoluto até 2024. A feirante Onorina, que começou a trabalhar na roça aos 9 anos, em Maceió, teve de abandonar a sala de aula na 4ª série para ajudar nas finanças de casa. “Lá não tinha água nem energia elétrica.” Em São Paulo, teve 5 filhos. Todos terminaram o ensino médio. Na feira, um deles ajuda Onorina com o controle do caixa. Outros três cursaram as faculdades de Direito, Enfermagem e Física e trabalham nas respectivas áreas.
“Minha filha só conseguiu ir para a faculdade porque teve bolsa.” Iniciado em 2001, o indicador mostra que o total de brasileiros de 15 a 64 anos que chegaram ao ensino médio aumentou de 24% para 40% e ao ensino superior, de 8% para 17%. Apesar de a população ter mais anos de estudo, o índice daqueles que são plenamente capazes de se comunicar pela linguagem escrita permanece inalterado no mesmo período, com só 12% da população no nível proficiente.
Segundo a pesquisa, entre os que terminaram o ensino médio, 13% são analfabetos funcionais e, no ensino superior, eles são 4% do total. A pesquisa mostra ainda um tímido avanço na diminuição de analfabetos funcionais entre os brasileiros mais jovens. Na faixa etária de 15 a 24 anos, estão os melhores resultados, com 12% sendo considerados analfabetos funcionais e 16% proficientes. “Entre os mais jovens temos mais gente que foi à escola por mais anos. Vemos uma melhora, mas ainda não pode ser comemorada porque apenas 16% termina os estudos com a plena capacidade de se comunicar. Não podemos nos iludir de que isso vai nos fazer uma sociedade mais justa”, alerta Ana Lucia.