O necessário passou a ser descartável

O Hospital São Vicente de Paulo pode ser considerado o único hospital da região que ainda possui sua gestão pela sua entidade que o deu origem. Os Hospitais de Tramandaí, Santo Antonio, Capão da Canoa, Torres já estão com gestões terceirizadas ou sendo de propriedade da Prefeitura Municipal. O Hospital de Palmares segue mantido pela comunidade e prefeitura, mas de menor resolutividade que a cereja do bolo do Litoral Norte que é o Hospital São Vicente de Paulo.

Nas últimas duas décadas o São Vicente amargou prejuízos e déficits operacionais, passou por um incêndio, por fraude de um de seus colaboradores e também pelo aumento de ações trabalhistas resultantes de falta de pagamento de verbas rescisórias e depósitos como do FGTS, Previdência, Receita Federal. Estas dificuldades sempre foram comunicadas à comunidade que se mobilizava com doações, campanhas para lençóis, leite e outros que careciam a entidade. A resposta ada comunidade e dentre estes empresários, políticos e prefeitos como o falecido Eduardo Renda que investiu no Hospital e contratou serviços qualificando o atendimento a Saúde. Estas dificuldades vinham sendo cobradas dos prefeitos de municípios da região que para cá aportavam seus munícipes para tratamento sem realizar contrapartida e colocando na conta do SUS que absurdamente paga mal pelos serviços hospitalares por uma tabela aviltante e escorchante que gera déficit financeiro a entidade. As prefeituras consideram importante o Hospital, mas não o suficiente para custearem as despesas relativas aos atendimentos prestados. Muito menos a ponto de irem buscar junto ao Estado e a União aporte de recursos a quem de direito são os responsáveis pelos investimentos no Sistema para média e alta complexidade. Aos municípios cabe a atenção básica com postos de Saúde e focada na prevenção, algo que até pode se dizer precário, pois não há médicos para que todos os postos tenham atendimento, mas servem para empregos, fazer curativos e uma, duas ou três por semana terem atendimento com médico no local, salvo alguns destes.

O Hospital é a ponta do iceberg, pois o paciente percorre do posto de Saúde ao Hospital realizando pit stop de sobrevivência inicialmente no Posto de Saúde e se tiver como se deslocar ir a UPA (se o município tiver uma) e se conseguir sobreviver tem o encaminhamento para o Hospital por sua conta e risco. Um paciente em caso grave tem de pedir a Deus para garantir mais umas quatro de vida para dar tempo de realizar o percurso até a porta do Hospital, quando há este na cidade. Em outros tempos quando a prefeitura de Osório comprava serviços de urgência no Hospital era como uma linha direta da emergência para a internação. Entenderam os gestores municipais de que a UPA seria a solução e que em vez de investir no Hospital se deveria investir na UPA que até hoje é paga pela prefeitura sem que tenha a contrapartida da União como é previsto com o credenciamento desta no Ministério da Saúde.

As diretorias do Hospital alertaram o poder público para este problema, a comunidade auxiliou, principalmente na pandemia, mas a prefeitura foi se distanciando e reduzindo até não mais contratar serviços do Hospital e quando se propunha era para aumentar o déficit, mas realizando e resolvendo o atendimento a que a prefeitura tinha obrigação de fazê-lo. Foi buscado uma solução junto a Amlinorte, junto a Secretaria Estadual da Saúde, junto a prefeitura municipal e também junto a Promotoria Pública.

A “solução” foi a intervenção pelo Estado, justamente a quem deve a obrigação de financiar o sistema, mas não foi a de aportar recursos de modo a cobrir os custos dos serviços como foi a decisão da Promotoria de Tramandaí sobre o hospital daquela cidade onde o gestor do hospital já não mais tinha como manter os serviços pela falta de verbas para custear serviços e reformas.

O caso São Vicente ao aproximar-se do centenário está sendo aos poucos embalsamado onde a prefeitura quer livrar-se do problema transferindo para o Estado e este ao um gestor terceirizado que certamente vai usar a infraestrutura até esta se esgotar ou depreciar completamente e deixar a múmia pronta para o sarcófago.

Se privatizar é a solução, que a façam com dignidade e respeito a uma entidade que congregou figuras ilustres e de capital político na cidade bem como de inúmeras pessoas que ao longo dos anos contribuíram com a associação e a mantiveram como sendo a menina dos olhos na saúde no litoral. O que se está propenso a fazer é terceirizar a responsabilidade eximindo quem de direito é o responsável por custear os serviços hospitalares de média e alta complexidade. Mas da foram com está sendo feito, sairá muito mais caro no futuro para a comunidade osoriense que neste momento não foi ouvida e foi descartada deste jogo de interesse em “resolver a situação do Hospital São Vicente”.