DESAPROPRIAÇÃO DO HSVP – PL que autoriza prefeitura realizar empréstimo de até R$ 37 milhões vai à votação na Sessão da Câmara desta terça-feira
OSÓRIO – Segue em andamento no Legislativo osoriense o Projeto de Lei (PL) 028/2024, o qual autoriza a prefeitura abrir crédito, junto ao Banrisul, no valor de até R$ 37 milhões. O dinheiro será utilizado na compra do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP). O Município terá 10 anos para pagar o empréstimo, tendo um ano de carência. Já os juros serão quitados pelo Governo do Estado.
Buscando compreender melhor o PL, os vereadores realizaram uma série de reuniões ao longo dos últimos dias. Eles estiveram reunidos com o prefeito Roger Caputi, a Comissão avaliadora da prefeitura e com a diretoria da Associação Beneficente São Vicente de Paulo (ABSVP). Já na noite da última quinta-feira (19), a Câmara recebeu uma Audiência Pública, onde pode ser ouvida a posição da atual administração do Hospital, além dos técnicos e servidores da instituição, assim como a da comunidade em geral.
O Plenário Francisco Maineri ficou praticamente lotado para ouvir a discussão. Com opiniões distintas, as falas do público se convergiram, sempre com o objetivo de buscar uma melhor solução para o Hospital de Osório. A favor da permanência da intervenção, os servidores do HSVP questionaram porque não houve uma Audiência para discutir se os trabalhadores e a comunidade queriam a desapropriação da instituição de saúde.
Em alguns momentos o clima chegou a ficar mais fervoroso, e, por pouco não chegou a vias de fatos, quando o secretário-adjunto de Administração, Juarez Nunes, ofendeu o presidente do Sindicato Profissionais Enfermagem Técnicos (SindiSaúde), Julio Cesar Jesien. Vale ressaltar que o representante da entidade já havia sido hostilizado durante sua fala, sendo vaiado e interrompido diversas vezes pelos técnicos e funcionários do Hospital. No final da Audiência, o público presente acabou saindo com mais interrogações do que certezas por parte das autoridades.
PREFEITURA Vs ASSOCIAÇÃO
O prefeito Roger aproveitou a ocasião para fazer uma retrospectiva do processo, desde a saída da ABSVP, passando pela intervenção, até chegar a desapropriação. Segundo ele, após uma avaliação técnica do terreno/construção pedido pela prefeitura, ficou definido o valor de R$ 37 milhões. Entretanto, deste valor, foram descontados R$ 12 milhões de investimentos, realizados pelo Município, Estado e União. Além disso, também foram subtraídos mais oito milhões de reais de dívidas do Hospital com a prefeitura, incluindo IPTU, chegando no montante de R$ 17 milhões.
O diretor-presidente da Associação, Marco Pereira, fez muitos questionamentos sobre o valor. De acordo com Marco, uma avaliação pedida pela ABSVP apontou que, somente a estrutura do Hospital São Vicente estaria avaliada na casa dos R$ 50 milhões, isso sem contar o valor dos equipamentos e de outros bens. A diferença significativa nos valores se dá em relação ao modo como foi feito o cálculo, considerando o terreno do Hospital, em sua maioria, como área residencial, ao invés de comercial. Conforme o arquiteto Alencar Massulo, a avaliação foi realizada conforme o Plano Diretor do município, em prol de evitar possíveis futuros questionamentos jurídicos.

Outro questionamento de Marco, está na questão dos valores descontados. Para ele, o dinheiro repassado por Município, Estado e União não pode ser “devolvido”, visto que o Hospital já teria cumprido com suas contrapartidas. Já na questão das dívidas com a prefeitura, o diretor-presidente da Associação lembrou que há Lei diz que instituições filantrópicas, caso do HSVP, estão isentas de pagar o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU).
Marco Pereira também lembrou do período que a prefeitura administrou o São Vicente de Paulo, entre 2016 e 2019. Segundo ele, neste período, o Hospital teve uma dívida de R$ 14 milhões (cerca de R$ 20 milhões convertidos para hoje). O diretor-presidente da Associação sugeriu que esse valor fosse acrescentado na aquisição do Hospital. O objetivo da Associação é conseguir quitar as dívidas do Hospital, que hoje geram em torno de R$ 60 milhões. Esse é o fator que talvez mais preocupe a ABSVP, já que não há um indicativo de quem ficará responsável por quitar esse valor.
A Associação Beneficente sempre afirmou que não é contra a desapropriação do Hospital, levando em consideração que a única proposta apresentada. Conforme Marco Pereira, o questionamento nem é tanto em relação aos valores, mas sim, com o déficit. O diretor-presidente da ABSVP declarou que a Associação poderia ceder o Hospital para o Município, desde que a prefeitura assuma o valor da dívida, justamente o que o Executivo não quer. Além disso, também há a questão das dívidas trabalhistas dos funcionários. De acordo com Marco, até o final do ano passado essa dívida estava em cerca de R$ 53 milhões.
FALA DOS VEREADORES
Sabendo da importância do Projeto de Lei para o futuro do município, todos os vereadores apontaram a falta de tempo com prejudicial no processo. Normalmente, um PL em urgência, como é o caso do 028/2024, tem até 45 dias para ser analisado e votado. O Projeto em questão, chegou à Câmara no dia 26 de março, precisando ser publicado (caso seja aprovado) até 31/04.
A presa se dá diante da Lei de Responsabilidade Fiscal, que diz, que um chefe de Executivo só pode realizar uma dívida que sucederá o seu mandato até o 1º quadrimestre do seu último ano de gestão. Com isso, o PL 028 precisa ser aprovado, sancionado e publicado no Diário Oficial até o final de abril. “É de maneira atropelada, mas é nossa responsabilidade como vereador colocar o Projeto em votação e, caso ele seja, aprovado, dar tempo hábil para que o Executivo possa realizar todos os trâmites necessários para que possa realizar o empréstimo junto ao Banrisul”, declarou Maicon Prado (PDT).

Para o presidente da Câmara, Miguel Calderon (PP), a discussão irá terminar na Justiça, visto a diferença no valor pedido e o valor que será pago. Caso isso se conforme, o Município poderá ser obrigado a pagar um valor há mais para quitar a diferença, gerando outra dívida aos cofres do Executivo local. “Precisamos assumir riscos. Vamos pagar menos agora e lá na frente iremos discutir se pagaremos mais”, afirmou Roger Caputi. “A solução não é simples. Quem compra algo falido? Será que é isso que o Município quer?”, questionou o vereador João Pereira (MDB), criticando a prefeitura por descontar as dívidas do Hospital ao Município.

O vereador Vagner Gonçalves (PDT) entende que a desapropriação é uma obrigação do Estado ou União, afirmando que “o recurso pago pela prefeitura deixará de ser investido no município”. “No final será a população que irá pagar a conta”, complementou o vereador. Porém, Roger disse que, se houver necessidade, o Banrisul irá fazer um novo financiamento nos mesmos moldes do que esse que está sendo discutido.

O vereador Luis Carlos Coelhão (PDT) declarou que a discussão vai além do empréstimo: “Temos que analisar que está em risco o futuro não só do Hospital e de Osório, mas de todo o Litoral Norte”, pontuou. Bastante exaltado, Coelhão disse ainda que os vereadores não deverão admitir esse “ato político”.

A favor do PL, o vereador Lucas Azevedo (MDB) ressaltou que, “para levar em consideração o futuro do Hospital, é necessário que o Projeto ande”. Ele afirmou que, considerando que “nos últimos 12 anos se buscou soluções e nada foi resolvido”, pelo menos Lucas acredita que a desapropriação irá, ao menos, “amenizar o problema”. “Vou tomar posicionamento e a decisão baseado naquilo que eu acredito”, relatou o vereador, ressaltou que, a discussão da desapropriação irá continuar com o Projeto sendo aprovado ou não.

Ed Moraes (PDT) lembrou que, independentemente da aprovação ou não do Projeto, a prefeitura poderá seguir com a desapropriação. Para isso, basta o Executivo pagar o valor necessário, o qual o prefeito Roger disse que o Município não tem.

Já o vereador Ricardo Bolzan (PDT) sugeriu que o processo fosse deixado para ser analisado no ano que vem, visto que o Governo do Estado seguirá o mesmo: “Poderíamos fazer um estudo mais aprofundado, podendo ser encontradas novas soluções para o problema do Hospital. Temos muito o que discutir e não é em menos de 45 dias que a gente vai conseguir resolver o Projeto de Lei de maior importância dessa Legislatura”, ponderou Ricardo.

O texto deve ser votado na Sessão Ordinária desta terça-feira (23). A Sessão está marcada para iniciar às 19h e será aberta a toda população osoriense. Ela também será transmitida pela Página do Facebook e o Canal do Youtube da Câmara de Vereadores. Segundo o presidente do Legislativo, não havendo tempo hábil para ser votado na Sessão de hoje (terça), será convocada, ainda nesta semana, uma Sessão Extraordinária para que haja a votação.

PROJETO REJEITADO
Caso o Projeto não seja aprovado, ao que tudo indica, o Governo do Estado permaneceria com a intervenção no Hospital, somente deixando a gestão no caso de decisão Judiciária. Conforme o diretor-técnico do HSVP, Ubiratan Andrade Silva, desde que o Estado assumiu como interventor da instituição, o déficit mensal, que era de R$ 1,3 milhão, reduziu. Segundo ele, isso se deu devido a entrada de mais dinheiro, por meio de aditivos de contratos: “Houve aumento na produção e, com isso, teve mais arrecadação”, explicou o médico.
Devido a essa situação, houve a necessidade de contratação de mais mão-de obra. A busca por uma melhor assistência e uma equipe mais qualificada, também acabou gerando a troca e demissão de funcionários. “Nosso faturamento é frágil em muitos setores e ainda perdemos muito dinheiro”, alertou Ubiratan, afirmando que o Hospital deixou de receber valores da União devido a um erro técnico em relação ao uso de leitos.
Atualmente, o São Vicente de Paulo está passando por bloqueios judiciais em suas contas, devido a ações trabalhistas, não podendo receber recursos públicos. O Dr. Ubiratan chegou a relatar que precisou tirar dinheiro do próprio bolso para quitar algumas contas da instituição. “Nossa preocupação maior é com os pacientes. Eles precisam que o Hospital siga funcionando. Já estamos usando equipamentos emprestados. O custo acaba sendo maior e juros vão acumulando. Precisamos de uma resposta rápida”, declarou o diretor-técnico do Hospital São Vicente.

PROJETO APROVADO
Caso o Projeto de Lei 028/2024 seja votado e aprovado durante a Sessão Ordinária desta terça (23), a prefeitura conseguirá o dinheiro para a compra do Hospital e dará sequência a desapropriação. Logo confirmada a aquisição, a administração do HSVP será repassada ao Governo gaúcho, o qual ficará responsável por buscar uma empresa que irá assumir a gestão do São Vicente de Paulo.
O modelo citado já é aplicado em outros hospitais do RS, como são os casos das instituições de Alvorada, Cachoeirinha, Taquara, Viamão e Tramandaí. Para Marco Pereira, o modelo é “falho”, visto que o principal problema de todos os hospitais é a “falta de recursos”. O diretor-presidente da ABSVP citou a tabela do Sistema Único de Saúde (SUS), onde, a cada 100 reais investidos em um paciente, há prejuízo de 60%. “Esse desequilíbrio está quebrando os hospitais”, ressaltou o diretor-presidente da Associação Beneficente.
“Será que esse modelo é o correto? Onde para resolver o problema, o Estado só troca a gestão? Queremos o que é justo: resolver o problema da dívida e pagar as contas do Hospital”, concluiu Marco Pereira. Por outro lado, o prefeito Roger Caputi afirmou que o modelo apresentado é o mais “correto”, levando em consideração que a prefeitura não tem condições de manter o São Vicente de Paulo e, não quer que a Associação Beneficente retorne a gestão do HSVP.
